quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Forza Arezzo: Um amor sem divisões na Toscana




Dizem os mais céticos que o futebol não passa de um mero pão & circo, famosa doutrina de controle dos plebeus protagonizada pelo Império Romano. Por outro ângulo, demais (sic) torcedores admitem a paixão pelo futebol, mas prezam por tudo o que ocorre no cenário. Querem jogadores midiáticos, chuteiras coloridas, penteados, firulas sendo chamadas de dribles, competições que utilizam-se de orçamentos bilionários, além do bom e velho conforto-de-sofá naqueles estádios completamente arenizados, que por ironia possuem uma arquitetura padrão, onde todos são iguais. Já uma minoria quer o que o futebol sempre havia sido, e que se perdeu em meio aos estupros de um passar de anos cruel e sem compaixões: A simplicidade, o fervo, o orgulho bairrista e o amor devoto a um clube.

Arriscaria dizer que estes elementos estão quase mortos no Brasil. A quantidade de males e consequências impostas por 2014, trouxeram à minoria romântica, a morte cerebral de um futebol que já não é mais o mesmo. Não, caro amigo. Não escrevo sobre os dribles, sobre o corta-luz genial que coloca um centroavante na cara do gol. Escrevo sobre o futebol enquanto essência das províncias, das cidades, dos estados e dos países. Escrevo sobre identidade, a eterna palavra que fixa a resposta de onde viemos à nossas almas, para que assim, saibamos aonde vamos. Escrevo sobre ambientação, onde em cada uma destas localidades, o jogo era sempre retratado conforme a cultura destas regiões. Tanto na fotografia quanto na mentalidade.


O futebol ainda vive em Arezzo, pequena província da belíssima região da Toscana, cuja atmosfera pacata, montanhosa, ensolarada e composta por casas antigas e ruas pequenas, nos fornece o material ideal para uma jornada no tempo. Lá existe um dos clubes mais tradicionais da Itália, o Associazione Sportiva Dilettantistica Atletico Arezzo, conhecido anteriormente como A.S.C (Associazione Calcio Arezzo). Fundado no dia 9 de setembro de 1923, o clube originalmente foi criado sob a alcunha de Juventus Arezzo, em homenagem à famosa esquadra da cidade de Turim, o que explica o escudo do clube. Mal sabiam os fundadores que suas semelhanças estariam intrínsicamente mais ligadas ao Torino do que à Juve. Com uma cor de uniforme que lembra o grená, utilizando-se de vermelho escuro, o Arezzo passou por altos e baixos. Foram inúmeros. Em toda a sua história brigou para subir da Série C à Série B. Em uma destas indas e vindas, ganhou a Série C em 1966, e para celebrar a conquista, realizou um amistoso com o nosso Vasco da Gama, por onde ganhou de 2 x 1. Manda seus jogos no Stadio Comunale (Outra homenagem), cujo tamanho pequeno e belas seções de arquibancadas combinando com a paisagem um tanto mística da cidade de Arezzo, nos fornecem os elementos necessários para a sensação do bairrismo que transcende, e que deriva de sí mesmo para o amor incondicional ao clube.

Aos clubes grandes, cujo apelo midiático torna-se automático à medida em que a concentração de torcedores espalhados "por aí" aumenta, o ato de disputar divisões inferiores como as famigeradas "B" e "C" é uma vergonha. Aos clubes médios, talvez seja uma nova realidade, consequência de um futebol já mundialmente bilionário. Aos clubes pequenos, de bairro, não importa. Os títulos são consequência, enquanto que o amor incondicional é a base. Vejam que após sofrer tantos anos com quedas e ascenções, por entre as Séries B e C, o Arezzo decretou falência após a pífia temporada 2009 / 2010. Ainda em 2010, foi refundado, sob um "jeito italiano": Apenas trocou elementos no nome. E isto nos leva de volta ao início do texto.


O futebol ainda vive em Arezzo, por não ter a razão de morrer. As divisões inferiores podem ser um inferno aos grandes, mas aos demais, tamanha sensação realmente não importa. O vecchio stadio continua lá, os vecchi amici continuam lá, assim como a velha cerveja. Jogadores, dirigentes, campeonatos passam, mas todo o restante fica. E é justamente este "resto restante", tão destradado por governos inúteis e dirigentes de federações inescrupulosos, que carrega o futebol e a tradição nas costas.

Entre os restantes, categoria à qual nós (eu e você) estamos relegados, existem as eternas torcidas organizadas, barras-bravas, firmas e ultras. Cada país com suas características, cada um com suas tradições. Como a Itália é o berço de toda a Mentalitá Ultra, nada mais natural do que abordar um pouco da história das claques do Arezzo, que tanto carregaram este clube nas costas, seja na Toscana, seja em qualquer cidade. A primeira torcida do Arezzo nasceu no distante ano de 1977, no caso, o Commando Ultrà Arezzo (CUA). Na sequência, o CUA passou a contar com a presença de outros dois grupos: Gioventú Amaranto (Juventude Amaranta) e os Fedayn. Enquanto o Commando Ultrà Arezzo e os Fedayn eram ligados às ideologias de esquerda, os Gioventú Amaranto eram ligados às ideologias de direita, o que causou algumas situações entre ambos ao longo dos anos 80. Passados os anos, no dia 17 de dezembro de 1995, das cinzas do então extinto CUA, surgem os Ultras Arezzo, grupo este que lidera por maioria de integrantes, as dependências da curva sul do Stadio Comunale. O ideal da Ultras Arezzo é apolítico, colocando o clube sempre em primeiro lugar. Conta com apoio dos O.F.C Arezzo (Old Fans Club), cujo estilo de mentalidade e apoio toma por base as firmas britânicas (hooligans), com características mais casuais, tanto nos cânticos como também nas vestimentas. O terceiro principal grupo se chama Fossa Amaranto, criada em 1991, que surgiu da junção da antiga Fedayn dos anos 70, e outros dois grupos menores. A Fossa Amaranto, que segue o estilo ultra, também carrega consigo a mentalidade apolítica, sendo também fortemente anti-racista. Tal afirmação se encontra com sub-grupos da Fossa, que são ligados ao Sharp (isso mesmo). Na Itália é comum de presenciar ideologias políticas (e apolíticas) sendo levadas pras canchas, assim como em determinados países da Europa.

*Foto: Commando Ultrá Arezzo, anos 70.

É possível de reparar nas fotos que os caras sabem fazer um grande fervo. Em boa quantidade, ou em pequena quantidade. Mesmo que tenha só cinco tifosi di Arezzo bêbados, em algum setor visitante das canchas italianas, os jogadores saberão que estão sendo bem representados. Que com eles, não importa a quantidade, ou a divisão.



Arezzo 4 x 0 Crotone, Série C (Lega Pro Prima Divisione):