segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Millwall x West Ham United, a rivalidade operária



Neste último final de semana, o mundo perdeu ao não poder acompanhar uma das pelejas mais aguerridas do mundo do futebol. Por conta do histórico cercado por ódio de um contra o outro, a Football League (Inglaterra) decidiu não transmitir tal partida, nem mesmo aos lares do próprio país. Trata-se do jogo Millwall x West Ham United, que ocorreu neste último sábado (17), pela manhã. Ambos os clubes estão atualmente disputando a Segunda Divisão do Campeonato Inglês - conhecida como Championship - e a rivalidade é digna de um verdadeiro derby, daqueles de parar cidades. Os clássicos são o sangue que movimenta a circulação do futebol, e mesmo em tempos de uma modernidade abusiva, a mentalidade continua lá.

A história da rivalidade entre o Millwall Football Club e o West Ham United nos leva ao século retrasado (isto mesmo). É uma inimizade que transcendeu o futebol, por ter nascido fora do futebol. Retratada no excelente filme Green Street Hooligans (clique aqui), Millwall e West Ham são protagonistas do que pode ser considerado (e porquê não?) como o maior clássico da cidade de Londres, capital da Inglaterra.

Millwall em 1897.

Tudo começou em 1885, quando estivadores e estaleiros decidiram criar um time de futebol. Eles trabalhavam em uma fábrica na região de Isle of Dogs, situada ao Leste (East End) de Londres. Esta fábrica era especializada no processamento e embalamento de comida, via navios, e contava com muitos trabalhadores vindos da Escócia, especialmente da região de Dundee. Criado inicialmente como Millwall Rovers, a equipe representava o espírito daqueles trabalhadores, cuja maioria escocesa estava representada com o Leão no escudo. Foi quando 10 anos mais tarde (1895), trabalhadores do outro lado do Rio Tamisa decidem criar uma equipe de futebol. Nasce então o Thames Ironworks, clube que levava o mesmo nome da fábrica que estes operários pertenciam. The Lions x The Hammers. Nasce portanto a rivalidade que transcendeu o futebol, uma vez que ambas das companhias eram rivais nos negócios. O futebol, como bom agente passional, apenas tratou de colocar uma boa dose de lenhas na fogueira. Até a Primeira Guerra Mundial, em 15 anos de rivalidade, os clubes se enfrentaram 60 vezes. Mas o estopim viria em 1926, quando estivadores e estaleiros das Royal Docks (clique aqui) decidiram realizar uma greve geral, para exigir reivindicações por melhorias. A maioria destes operários eram torcedores do West Ham United. Logo, os trabalhadores da Isle of Dogs não deram nenhum apoio à greve. Foi o momento em que a rivalidade se "oficializou" enquanto arqui-inimizade dos torcedores do Millwall para com os torcedores do West Ham (e vice-versa, obviamente). Nesta época, o Millwall já mandava seus jogos no The Den, estádio particular do clube que passaria por uma (estúpida) reforma geral em 1993. O The Den é situado mais ao sul de Londres, mas as origens dos Leões estão lá, ao Leste.

(Foto: Thames Ironworks em 1896.)

A história também passa pelos anos 70 e 80, quando o hooliganismo britânico vivenciou seu auge. Tempos onde as invasões campais eram comuns, além da depredação das canchas, na incasável busca de uma firma (Nomenclatura própria ao estilo britânico de torcer, The Firms) pela outra. Eram tempos do surgimento da cultura casual, onde anda-se pelas ruas com roupas discretas; além dos combates inúmeros, no caso, entre a Inter City Firm (principal claque do West Ham United) e os Millwall Bushwackers.




O último episódio que retratou o ódio entre ambas as torcidas havia sido no ano de 2009, quando o West Ham vencia o Millwall por um placar de 3 x 1, no Upton Park, estádio dos Hammers. Foi quando uma invasão campal, protagonizada pelos torcedores do West Ham, paralisou por alguns minutos a peleja; um tipo de situação que não se via nos gramados britânicos por um bom tempo. Abaixo há uma pequena reportagem sobre o incidente. Por mais que você não entenda um pingo de inglês, vale a pena conferir:




Por conta do medo e até de um perfeccionismo estúpido, a Football League (encarregada de cuidar da Segunda Divisão inglesa) resolveu não transmitir a partida. Uma prova de total não-confiança nas próprias medidas restritivas aos torcedores, como ingressos caros, dados cadastrais, entre outros. Um clássico do porte de Millwall x West Ham, além de ter uma história riquíssima, ultrapassa as razões, por representar a síntese maior do futebol de arquibancada, enquanto agente passional e febrento: de que Jogo é Guerra.

Mais uma prova do quanto o futebol consegue ser épico. Abaixo, segue um vídeo viril, retratando os torcedores do Millwall perseguindo os "rioters" (Vândalos) que estavam causando inúmeros tumultos, distúrbios e saques por Londres (e demais cidades inglesas) agora, no mês de agosto. Um exemplo de honra, orgulho e lealdade. Segundo o site de onde retirei a informação (clique aqui), os caras estavam saindo de uma partida da Football Association Cup, e foram fundamentais na manutenção da ordem local, ao lado de outros grupos de bairro.




Abaixo, segue a reportagem de João Castelo Branco para a ESPN Brasil, sobre o último encontro das duas equipes, neste sábado, dia 17. Um empate em 0 x 0, e uma mega-operação policial, que contou com 1.000 homens, realizada nos entornos do The Den para evitar o confronto entre ambas as torcidas.